O currículo como produtor de identidade e de diferença: efeitos na fronteira Brasil-Uruguay
Resumo
Esta tese é fruto de uma pesquisa sobre os currículos vigentes em duas escolas nas fronteiras entre Brasil na cidade de Jaguarão e Uruguay na cidade de Río Branco. São escolas que participam do Projeto de Escolas Bilíngues de Fronteira (PEBF). Os currículos foram analisados como discursos a partir da perspectiva foucaultiana. A identidade nacional e cultural foi problematizada nos currículos da Educação Inicial e Primaria, em Río Branco, e nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, em Jaguarão. Os discursos, processados por meio do currículo, têm contribuído para garantir pertencimentos identitários nacional e cultural, que por meio de políticas de identidades, tais como o PEBF, os Programas de ensino de Río Branco e de Jaguarão, nutrem-nos de uma suposta autenticidade. Vimos que esses discursos investem na produção de uma vontade de nacionalidade alicerçada na produção das diferenças culturais, criando e reforçando modos de ser brasileiro e uruguaio. Aliás, a diferença é produtora e marcadora dessas identidades. Nos espaços escolares das duas cidades, a identidade brasileira e uruguaia é demarcada pelas fronteiras da nacionalidade, pelo uso das línguas diferentes, das culturas diferentes. Os currículos de ambos os lados reforçam as fronteiras nacionais e culturais através de um trabalho de recriação constante dessa vontade de nacionalidade. Há investimento nos currículos para reafirmação da identidade jaguarense e brasileira concomitantemente, e no Uruguay há investimento na produção e manutenção da identidade uruguaia oriental. Por outro lado, nenhum processo de fixação das identidades se realiza sem conflitos. Há sempre intervalos nos quais a hibridização se mostra, demonstrando que por mais que haja tentativas de cercear o entrelaçamento cultural dessa fronteira, e com isso as identidades culturais e nacionais, estas deslizam, escapam, seja pela proximidade geográfica, seja pelas identificações culturais. A fixidez a uma identidade íntegra não resiste pela própria condição cultural da fronteira ser uma fronteira. Neste território geográfico e subjetivo não há identidade fixa mas sim um constante adiamento identitário. Contudo, nas entrevistas e nos documentos analisados, é possível verificar que as diferenças menores, ao produzirem uma máscara diferenciadora e investir na produção simbólica de atos e rituais nacionalistas e nacionalizantes, tentam abafar o fluxo cultural, o hibridismo próprio dessa fronteira.