Pelo sentido da vista: um olhar gay na escola
Resumo
Nesta dissertação apresento uma pesquisa com estudantes de uma escola estadual na cidade de Pelotas/RS, em que discuto os efeitos de identidades sexuais não normativas no currículo. A problemática teve seu primeiro movimento impulsionado pelas manifestações de desconforto e homofobia com relação a um grupo específico de três estudantes gays na comunidade escolar em que atuo como professora. Utilizo como referência o pensamento de Michel Foucault, especialmente a construção histórica e discursiva de conceitos como sexualidade, identidade, diferença e normalidade que têm servido para criação e manutenção de padrões de conduta. A partir dos depoimentos do grupo de
estudantes, abordo a compulsoriedade da identidade heterossexual na escola e algumas estratégias que permitem vazar esse discurso. Desenvolvo minha argumentação com base no potencial desestabilizador desse grupo, que
desacomoda o cotidiano escolar, na intenção de pensar o impensável no currículo. Esse trabalho partiu da visibilidade de identidades sexuais não normativas que fogem à suposta regra da heterossexualidade compulsória a concepção de que a posição identitária heterossexual é um dado da natureza e pressuposto universal do ser humano desafiando a tendência normalizadora e homogeneizadora da educação pelo traço da diferença. A forma como esse grupo de estudantes se posiciona e constrói seus corpos cruza as fronteiras do masculino e feminino, se apresentando como diferença que escapa às classificações binárias e desnaturalizando as identidades sexuais e de gênero
que se baseiam em princípios biológicos definidores de machos e de fêmeas. Diferença que atravessa a norma e é irredutível à identidade, que apaga a separação entre natureza e cultura, mostrando que não há nada além desse último termo. No sistema de significações que é o currículo, a produção
conjunta da identidade e da diferença se dá a partir de concepções e saberes considerados legítimos, justificados pelos pressupostos médicos, biológicos, anatômicos e de gênero. Considero que, ao se apresentarem como a diferença
que confronta a sexualidade normativa, diferença que o currículo tenta assimilar e despotencializar através de sua redução à diversidade tolerada, os sujeitos da pesquisa levam o imprevisto para a escola, possibilitando que se pense o currículo como local também de desconstrução das identidades. Nessa direção, considero relevante pensar uma educação não heteronormativa produtora de diferenças que desconstrua e/ou produza outras identidades, ao invés de tentar cristalizá-las.