Currículo e diferença: cartografia de um corpo travesti
Resumo
Nesta tese, procuramos mapear linhas de fuga traçadas pelo Corpo Travesti em sua constituição enquanto Corpo sem Órgãos (CsO). Corpo esse que não apresenta organização prévia e que se produz pela invenção de si, fugindo às normatizações e destacando a artificialidade de todos os corpos — que, assim como o Corpo Travesti, são efeitos de algum discurso. O discurso heteronormativo constrói as travestis como seres em desacordo com a realidade, como marginais à sociedade da scientia sexualis e da moral e bons costumes. Sob esse prisma, a constituição identitária de travestis e transexuais desafia a suposta funcionalidade natural dos corpos e o próprio conceito de humano. O Corpo Travesti cria problemas para esse discurso ao transitar entre os polos homem e mulher da equação binária que separa o mundo entre masculino e feminino; seu caráter móvel e fluído desestabiliza a lógica heterossexista do dispositivo da sexualidade. Por vezes, a desestabilização desencadeia violentas reações institucionais (coletivas e/ou individuais) contra o Corpo Travesti, especialmente quando ele transita por territórios onde é considerado obsceno, fora de lugar: escolas, empregos formais, universidades. O Currículo Oficial entra em conflito com o currículo de corpos que não se encaixam nos padrões pré-estabelecidos pelo discurso biológico da sexualidade que produz identidades sexuais em acordo com a heterossexualidade compulsória. Para cartografar esse corpo de experimentações, partirmos da narrativa produzida por Érika de Luna a respeito de seu currículo travesti. Coletamos histórias das quais destacamos linhas criadoras de um modo de vida que é deslegitimado pela ordem social heteronormativa. Tais episódios protagonizados pelo Corpo Travesti versam sobre viagens, família, escola, polícias, festas: linhas costumeiras, flexíveis e de fuga; linhas de vida e de morte que se cruzam, se misturam e se alimentam mutuamente. Linhas que compõem o corpo criado por Érika e que cartografamos com a ajuda das ferramentas disponibilizadas pelos estudos queer, por Derrida, por Deleuze e Guattari, por Michel Foucault e pelo trabalho de ativistas sociais e artistas costurados ao corpo teórico da tese. O resultado é um texto acadêmico composto por diferentes linhas de escrita que procura destacar a potência em tensionar a produção da heteronormatividade que o Corpo Travesti carrega ao apresentar-se enquanto diferença que não possui referente. Sustentamos que tal diferença se opõe à fixação identitária e, portanto, não encontra eco em práticas curriculares pautadas pelo pensamento realista que não admite a inserção de saberes que não tenham sido autorizados por discursos sérios a comporem o corpo educado.
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