Decisões do TRF4 sobre comissões de heteroidentificação: epistemologias e moralidades em disputa?
Resumo
No Brasil, as ações afirmativas são pressionadas por denúncias sobre fraudes na ocupação das cotas reservadas a pessoas negras, num contexto em que na sociedade brasileira vigora o racismo de marca/epidérmico. A vigilância do Movimento Social Negro vem contribuindo para o avanço na fiscalização da política, com elementos que refutam autodeclarações de candidatos sem fenótipo negro que tentam acessar indevidamente a política. Porém, mesmo após a normatização da heteroidentificação como critério de validação da autodeclaração, que ganhou corpo a partir do ano de 2016, o debate continua aceso. Nesse cenário, a região sul do país, composta por Paraná (PR), Rio Grande do Sul (RS) e Santa Catarina (SC), desponta com a peculiaridade de que, no ano de 2017, concentrava a maior parte das comissões de heteroidentificação existentes naquele momento nas instituições federais de ensino do país. Por sua vez, no judiciário federal dessa mesma região, sob a jurisdição do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), detectou-se significativa parcela de decisões a favor de autodeclarações indeferidas pelas comissões responsáveis. Mas afinal, como explicar que pessoas sem fenótipo negro sejam outorgadas, por decisões judiciais, a ocupar vagas reservadas ao acesso afirmativo? Eis o fio condutor desta investigação, que sob a ótica dos concursos e seleções públicas, examinou a(s) epistemologia(s) e moralidades(s) que contornam o(s) sentido(s) de justiça dados pelos julgadores do TRF4 nas decisões sobre heteroidentificação durante a janela de Agosto/2016 a Agosto/2021. A partir desses
demarcadores, no campo empírico foram catalogadas 30 decisões, em articulação com a biografia dos 11 sujeitos pesquisados (julgadores do TRF4), constituindo um conjunto de dados cuja diagramação indicou os seguintes achados: i) existência de dois grandes eixos argumentativos nas decisões do TRF4, denominados de teoria da autonomia/legitimidade da comissão e teoria da zona cinzenta/zona da dúvida razoável; ii) presença de backlash racial nas decisões judiciais do TRF4 sobre heteroidentificação que permitem a ocupação indevida das cotas raciais, em uma lógica delimitada pelas particularidades epistemológicas do racismo brasileiro.