Pacientes, experientes e outros-que-humanos : narrativas e grafias na luta antimanicomial
Resumo
A partir de uma perspectiva ecológica (INGOLD, 2012, 2013, 2019, 2023; HARAWAY, 2022, 2023; STENGERS, 2002; DESPRET, 2023), esta pesquisa busca evidenciar que os modos de significar as experiências atípicas, enquanto fenômenos vivos, com expressão sensorial, ora como sintomas de doenças mentais, ora como variações da experiência humana no mundo, são determinantes para a produção do sofrimento ou para a produção de modos de relação mais tolerantes e plurais. O universo de pesquisa se constituiu a partir do encontro etnográfico com pessoas vinculadas ao Movimento Internacional de Ouvidores de Vozes e pessoas que passaram por internações psiquiátricas, todas militantes da Luta Antimanicomial, que possuem vivências sensoriais atípicas, interpretadas como sintomas pelo campo biomédico e psi. O argumento central da tese defende que a circulação de narrativas sensíveis relacionadas às trajetórias de vida, bem como a prática da “fabulação especulativa” (HARAWAY, 2023) em comunhão com as vivências das pessoas, nos permitem imaginar outros mundos possíveis de se viver. Acolho a premissa de que os sonhares nos preparam para viver a realidade. De modo que a tese exprime parte de um mundo sonhado no qual a dignidade, as agências colaborativas, o respeito à diversidade, a liberdade e o cuidado à vida são assumidos como partes indissociáveis do que entendemos por sanidade e daquilo que almejamos como realidade. Ao propor outras imagens para as experiências sensoriais atípicas, esse exercício de imaginação que também requer formas de engajamento solidário com o mundo, se propõe a desconstruir a cultura violenta da normalidade, desmundificando a “loucura” como é concebida no Ocidente, para reinventar a sanidade e o direito às intensidades singulares. O trabalho com etnobiografias cria espaço para o registro e a partilha sensível de experiências de vida atravessadas pelo campo da saúde, pela vivência de fenômenos extraordinários e pelas violências que acompanham o rótulo da loucura. Com isso, junto com as pessoas interlocutoras, produzimos brechas discursivas, baseadas nas suas experiências, que permitem desnaturalizar o que é considerado normal, o que é loucura e o que é sanidade. Por fim, reafirmo nosso movimento no sentido de fazer caminhar as palavras, para que reverberem pelos espaços nos quais se fazem necessárias, criando novas imagens para uma concepção de sanidade produzida em devir-com. Acredito que, por meio da produção e da partilha das narrativas — visuais, sonoras e verbais — seja possível criar novas sensibilidades para mundos plurais.