O perdão em âmbito público como horizonte para a ação e o futuro da memória.
Resumo
Esta tese propõe uma abordagem teórico-crítica a partir do perdão e do não perdão em âmbito público, discutindo suas relações com a ética, a memória e a política diante das graves violações de direitos humanos ocorridas nas últimas ditaduras nos países do Cone Sul. Este trabalho parte do questionamento sobre a possibilidade do perdão a agentes de crimes contra a humanidade e do perdão em âmbito público como horizonte para a ação política e como futuro para a memória. Estrutura-se, assim, na perspectiva dialética negativa para pensar o perdão como o “não-idêntico”, articulando a revisão bibliográfica, a pesquisa documental, as visitas técnicas, a observação participante, as entrevistas e a pesquisa de opinião. O percurso metodológico dividiu-se em duas fases: a análise do não perdão nos museus de memória do Cone Sul, entendidos como modelos para pensar as políticas públicas de memória na região, e a abordagem do perdão e do não perdão nas experiências transicionais dos países do Cone Sul. Isso implicou um afastamento pela comparação com experiências internacionais, notadamente, Argentina, África do Sul e Colômbia, o que permitiu compreender diferentes constelações de ideias, valores e conceitos relacionados ao perdão e uma aproximação a partir do Chile, do Uruguai, do Paraguai e do Brasil. Os resultados apontam que, embora os crimes contra a humanidade sejam juridicamente imprescritíveis e “imperdoáveis”, o perdão não pode ser reduzido ao esquecimento ou à impunidade, tampouco confundido com anistias, indultos ou prescrições. A pesquisa evidencia como a consigna “ni perdón” expressa uma “consciência feliz” no contexto de uma “compulsão à identidade” nos trabalhos da memória, ao mesmo tempo em que se verificam demandas sociais e políticas por pedidos de perdão em âmbito público. Conclui-se que o perdão, como horizonte da ação e futuro da memória, pode ser concebido como possibilidade de reconstrução das relações democráticas, isto é, de convivência baseada na reciprocidade e no reconhecimento mútuo. No entanto, sua realização permanece em aberto, dependendo de condições históricas, políticas e subjetivas. A tese reafirma, assim, a necessidade de pensar o perdão
em sua dimensão pública não como solução imediata, tampouco como se fosse possível um “perdão coletivo”, mas como exercício crítico e inacabado de elaboração do passado, que pode contribuir para a construção de um mundo comum onde nenhum ser humano seja considerado menos que humano, onde todos tenham “direitos a ter direitos” e sejam
reconhecidos como “sujeitos capazes” de agir, narrar, julgar, prometer, recordar e perdoar.

