O problema do mal em Boécio: o sofrimento dos bons e a impunidade dos maus no De consolatione philosophiae.
Abstract
Abordar o problema do mal não é uma tarefa fácil e nem nova, pois muitos autores,
tanto da filosofia quanto da teologia, elaboraram diversos estudos em busca de
solucionar uma questão, que ao mesmo tempo, é tão antiga e atual na vida humana,
seja no âmbito moral, natural ou mesmo metafísico. Não podemos, por conseguinte,
negar que o mal exista e que interfira na vida prática do ser humano, porém, tampouco
se pode mostrar com exatidão a sua origem ou apontar uma fórmula eficaz que
solucione todos os seus efeitos. A questão da existência do mal é ainda mais
problemática quando inserida dentro de um contexto que leve em consideração a
existência de um Deus que age através da sua providência organizando e regendo
todas as coisas com bondade, justiça e sabedoria. Nesse sentido, o nosso objetivo é
abordar a obra testamentária de Severino Boécio escrita no século VI, o De
consolatione philosophiae, composta em cinco livros que tratam tanto da verdadeira
felicidade quanto da incômoda questão do mal perante a existência de um Deus que
governa todas as coisas com bondade e justiça. Num diálogo envolvente entre Boécio,
condenado à morte e a sua consoladora, a “Filosofia”, temas como os falsos bens da
fortuna, a verdadeira felicidade, a existência do mal, a providência divina, o livre-arbítrio
entre outros, serão fundamentais para mostrar duas coisas: que Deus, Sumo Bem, é a
verdadeira felicidade e que o mal não existe, pelo menos no sentido ontológico. Nesse
contexto, Boécio irá abordar a questão do mal em dois momentos: a negação
ontológica do mal e a sua existência apenas no âmbito moral oriundo do livre-arbítrio; e
a questão da impunidade dos maus e do sofrimento dos bons afirmando se tratar de
uma visão equivocada e limitada do homem que não compreende a totalidade do saber
divino, que da eternidade, proporciona a todos o que é devido com sabedoria e justiça.
Para entendermos os argumentos de Boécio para a solução do problema do mal, será
necessário abordarmos dois autores que influenciaram diretamente no seu
pensamento: Agostinho com sua obra “O Livre-Arbítrio” e Platão com seu diálogo
“Górgias”. Em verdade, antes de Boécio, Agostinho também abordou o problema do
mal e negou a sua existência ontológica afirmando sua permanência apenas na esfera
moral oriundo do pecado e proveniente da vontade livre do homem. Da mesma forma,
Platão em “Górgias” aborda a ideia de justiça e injustiça afirmando que cometer uma
injustiça é pior que sofrer e mais, afirma que todo aquele que comete uma injustiça e
fica impune é mais infeliz que o infrator que paga a justa pena pelo seu delito. Por
conseguinte, nosso estudo mostra a fundamental importância de ambos os autores
para a resposta final de Boécio que, além de negar o mal ontológico e garantir que os
bons não estão a mercê da fortuna, garante que a providência divina é justa e não
deixa os maus sem suas devidas punições.
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