A revista O Cruzeiro: os discursos sobre educação do corpo feminino e as memórias das leitoras pelotenses nas décadas de 1950 e 1960
Resumen
Esta tese tem por objetivo analisar as representações de feminino (comportamento,
educação, modelação do corpo) contidas nos discursos textuais e imagéticos da
revista O Cruzeiro. Busca-se entender como as representações foram apropriadas
pelas leitoras da revista das décadas de 1950 e 1960 na cidade de Pelotas, Rio
Grande do Sul-Brasil. Para a investigação, pesquisaram-se 28 exemplares das
edições da década de 1950-1960, disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira.
Realizaram-se quinze entrevistas, utilizando-se da metodologia da História Oral
(AMADO, FERREIRA, 2006; MEIHY, HOLANDA, 2015; PORTELLI, 2016), sendo oito
com mulheres leitoras da revista e, as demais, com pessoas que trabalharam na
revista ou que são parentes próximos dos sujeitos que fizeram parte da sua história.
Na análise foram definidas as seguintes categorias: controle e normatização do corpo
(FOUCAULT, 2020); construção do corpo feminino (VIGARELLO, 2006); padrões de
beleza e de comportamento (DEL PRIORE, 2014); regras de civilidade (ELIAS, 2011);
moda, figurinos e acessórios (DEL PRIORE, 2000; 2017). Defende-se a tese de que
a linha editorial da revista O Cruzeiro, das décadas de 1950 e 1960, se valia de um
sistema discursivo de representações da mulher ideal que mobilizava
recomendações, produzindo efeitos nas leitoras da cidade de Pelotas, resultando em
apropriação de tais representações e em práticas que convergiam para um modelo
exemplar de sujeito feminino à época. Compreende-se que o padrão das moças
expostas na revista O Cruzeiro era de mulheres de cor branca e de família mais
abastadas da sociedade. Essas ocupavam dois papéis nos anúncios: retratadas como
boas esposas, mães responsáveis, dedicadas ao lar e, ao mesmo tempo, deveriam
ser belas, preocupadas com os cuidados com o corpo. Ambas as representações do
feminino aparecem simultaneamente, estabelecendo uma composição de mulher
independente e moderna, musa e estrela, mas sem deixar de lado as mães, esposas
e donas de casa. Constatou-se que as mulheres entrevistadas nesta pesquisa se
apropriaram das representações promovidas pela revista, orientando suas práticas
comportamentais e de consumo a partir das recomendações e dos produtos
propagandeados nela. Contudo, a pesquisa apontou que as leitoras pelotenses
seguiam em parte os discursos exibidos. As práticas das leitoras decorriam das
apropriações de tais representações, não seguindo totalmente com as sugestões,
mobilizando estratégias adaptativas (CHARTIER, 2002). As táticas representavam os
modos de resistência aos discursos dominantes da revista, portanto, as leitoras não
seguiam tudo, eventualmente necessitavam quebrar certos paradigmas, indo de
encontro às orientações oferecidas pelo periódico.