A ressonância afetiva das memórias como meio de transmissão para um patrimônio difícil: monumentos em antigos leprosários.
Resumo
Esta tese tem como objeto de estudo a difícil transmissão das memórias
marcadas por eventos dolorosos. O argumento central é que a comunicação de
patrimônios difíceis passa pela interpretação sensível das memórias e requer um
meio de transmissão aberto. Para tanto, concentramos nosso estudo de campo
em dois universos de pesquisa que foram o destino incontornável de pessoas
acometidas pela lepra, no período em que o isolamento era compulsório: o
Hospital-Colônia Santa Isabel (HCSI), em Minas Gerais, e o Hospital-Colônia
Itapuã (HCI), no Rio Grande do Sul. Atualmente em fim de vida, mantendo
funções asilares ou reestruturados para a prestação de outros serviços, tais
lugares têm sido considerados por sua relevância patrimonial. Entretanto, ainda
preservam resquícios de sua invisibilidade inicial, sendo sua história pouco
conhecida pela população. Além disso, os processos de patrimonialização dos
lugares nem sempre dedicam atenção à dimensão imaterial desse patrimônio,
relacionada à memória de seus últimos moradores, hoje idosos. Outro problema
evidenciado diz respeito à domesticação do passado pelos memoriais
institucionais criados nesses locais, que podem transformar o sofrimento em
objeto de fetiche. Assim, parte-se da hipótese de que as memórias do
confinamento estão ancoradas, de modo involuntário, na espacialidade dos
lugares e, de modo intencional, nos memoriais, e seus últimos habitantes nos
possibilitam fazer convergir as informações do espaço e as informações
expostas nos memoriais, preenchendo as lacunas deixadas pelos não ditos.
Desse modo, ao criarmos um audiovisual, intitulado Monumento refratário,
propomos um meio de transmissão que traduz nosso material empírico em lugar
sensível e, com isso, torna as memórias visíveis e abertas às diferentes
interpretações do passado. Conclui-se que, por se constituir como linguagem
engajada, que responde ao problema da opacidade, a arte contemporânea está
articulada à ética que fundamenta as ações de transmissão memorial e nos
permite captar e transmitir dimensões não contempladas pelos dispositivos
memoriais tradicionais. Dito isso, consideramos as contribuições trazidas neste
trabalho como resultado de um olhar multidisciplinar que conecta áreas afins,
como memória, patrimônio, antropologia visual, arte e fotografia, no intuito de
alcançar uma concepção ampla de monumento que responda ao problema da
difícil transmissão. Com isso queremos afirmar que a arte e as linguagens visuais
criam lugares de inscrição memorial que contribuem para a extroversão das
memórias difíceis.
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