Previsões do tempo em folhas soltas: práticas de cultura escrita de um agricultor gaúcho (1976 a 2022)
Resumen
Este trabalho tem por objetivo verificar quais são os usos e as funções da escrita das
previsões do tempo produzidas por um sujeito com pouca escolaridade, analisando
os sentidos atribuídos a essa prática em seu percurso individual. A pesquisa consiste
em compreender o processo de escrita longevo e incomum de “previsões
meteorológicas” de autoria de David Vinoski, atualmente com 72 anos. Para isso, as
“folhas soltas” manuscritas oportunizaram uma investigação com o intuito de entender
os modos de envolvimento de David com a produção e a circulação da cultura escrita
na comunidade de Vista Alegre do Prata/RS e em seu entorno, local onde reside. O
campo teórico utilizado na análise e na discussão dos materiais consiste em autores
como: Castillo Gómez (2003a, 2003b, 2020), Chartier (1998, 1999, 2003, 2004, 2010),
Hébrard (2001), Viñao Frago (1999) e, principalmente, Galvão (2002, 2010), com o
conceito de cultura escrita, bem como Thies (2008, 2013). A metodologia utilizada
nesta pesquisa é a análise documental, considerando a legitimidade das “folhas
soltas”, as materialidades e os sentidos contidos nelas, aliada à realização de uma
entrevista semiestruturada para melhor compreender o processo dos registros nos
suportes de papel. Distante da hegemonia do poder cultural centrado em escritas
judiciais, legislativas e literárias, e ciente de que outras escritas ainda são escassas
nas análises acadêmicas, a investigação analisou a existência de 23 previsões do
tempo escritas de maneira manuscrita e de outras 42 divididas em 13 datilografadas
e 29 digitadas. As previsões foram elaboradas por David e revisadas por uma pessoa
na Prefeitura de Vista Alegre do Prata (Rio Grande do Sul/BR). A pesquisa demonstra
mudanças significativas entre os dois processos de produção quanto aos suportes,
aos instrumentos de escrita e às materialidades. Como conclusão, é possível verificar
os impactos culturais que as “folhas soltas” produziram no processo de escrita do
agricultor, como uma das maneiras de preservação da memória familiar e do saber
comum, além da manutenção e do registro de uma das maneiras de se viver no mundo
rural. Ao circular socialmente, o suporte digitado (anteriormente datilografado) e
fotocopiado é o que confere a legitimidade aos registros por onde circula, bem como
o reconhecimento simbólico ao produtor das escritas. O trabalho procura trazer
contribuições à História da Educação, especialmente à História da Cultura Escrita,
trabalhando com as escritas de um “sujeito comum” que sustenta uma produção
escrita há mais de 50 anos.