O circuito de comércio do sistema prisional brasileiro
Abstract
O trabalho versa sobre matizes do funcionamento do sistema prisional contemporâneo brasileiro, notadamente relativo ao circuito de comércio que compõe o cárcere. As transações econômicas no ambiente intramuros são analisadas a partir de um referencial teórico que inclui as perspectivas de Zelizer (1997, 2001, 2011), Wacquant (2003, 2008, 2011, 2017), Skarbek (2011, 2014), entre outras autoras. Isso, junto às nuances que fazem parte do crescente encarceramento de pessoas, comumente associadas a racionalidades econômicas e perspectivas de controle social. O funcionamento do circuito de comércio é abordado, portanto, desde o recrutamento e extorsões dentro das prisões, com detalhamento dos arranjos hierárquicos, atores participantes, ações econômicas, bem como, das diferentes formas de troca, venda, pagamento e tipos de produtos que geram lucros no ambiente prisional. A pesquisa fundamenta-se a partir de revisão bibliográfica, do uso de técnicas de entrevistas e com apoio de observações paretnográficas sobre atores e dinâmicas chave, tanto na gestão dos presídios quanto sobre as pessoas
aprisionadas. A entrada e observação nas unidades prisionais tornaram-se viáveis pelo pesquisador desempenhar a função de Policial Penal e trabalhar internamente em uma penitenciária. Embora seguramente a proximidade com as pessoas presas
não garanta uma posição de simetria, o convívio próximo revela em certo grau as formas de organização social do grupo, devido às situações particulares que ocorrem entre ambos. Nesse sentido, tanto a abordagem proposta pela paraetnografia (Islam, 2015) quanto às reflexões etnográficas de Wacquant (2002) são relevantes para a pesquisa. Visando delinear, o mais próximo possível, os significados que os próprios sujeitos dão para suas ações e os elementos que manifestam um sistema econômico alicerçado, de forma específica, a aspectos próprios do ambiente prisional. As conclusões apontam um modelo de relação estabelecida pelas pessoas aprisionadas que mediante a apropriação do espaço público lucram com atividades cotidianas variadas no sistema prisional, com a extorsão de familiares, com a circulação e venda de produtos, dentre outras particularidades de troca analisadas. O circuito de comércio aparece como um dos principais elementos da ordem social em muitas prisões brasileiras, bem como configura-se em uma das mais vantajosas economias das facções prisionais.