Os territórios ocupados pelas personagens em situação de rua: um outro olhar sobre as cidades em Menos que um e Maremoto
Abstract
Esta pesquisa apresenta uma análise de duas obras literárias: Menos que um
(2022), de Patrícia Melo, e Maremoto (2021), de Djaimilia Pereira de Almeida.
Ambas as obras trazem para o centro da narrativa personagens em situação de rua,
representando, assim, um grupo heterogêneo de pessoas que compõem uma das
camadas mais vulneráveis do que Zygmunt Bauman (2005) define como “seres
humanos refugados”, isto é, pessoas consideradas descartáveis por um sistema
globalizado que prioriza o lucro em detrimento da vida. Esse sistema impulsiona um
aumento constante de pessoas vivendo em situação de rua, o que pode ser
observado, também, nos dois países em que foram produzidos os objetos desta
pesquisa e onde se passam suas narrativas ficcionais: Brasil e Portugal. Tais
pessoas habitam, principalmente, o centro das grandes cidades e são invisibilizadas
tanto no espaço urbano como nas narrativas. A literatura não é uma exceção nesse
processo de exclusão, portanto, os objetos aqui analisados suprem ausências do
campo literário ao trazerem para o foco pessoas escassamente representadas nas
obras contemporâneas. Essa representatividade permite, por sua vez, a expansão
do universo narrativo a partir da inserção de novas perspectivas e contribui para a
luta pelos direitos dessas pessoas através do desmascaramento das condições em
que vivem. Sendo assim, dentro dessa temática mais ampla, foi estabelecido como
foco de análise o território ocupado pelas personagens em situação de rua,
buscando compreender, também, como tais perspectivas contribuem para a
construção de novas narrativas urbanas. Em um intertexto com os estudos
geográficos, parte-se aqui da compreensão, fundamentada por Rogério Haesbaert
(2005; 2009; 2015; 2024), de que o território é o resultado das relações de poder
que atravessam os espaços. Nessa perspectiva, Haesbaert destaca dois processos
que compõem a territorialização: o domínio, relacionado à dimensão funcional do
território, e a apropriação, relacionada à dimensão simbólico-cultural. Para uma
análise mais densa foram utilizadas outras referências, com destaque para os
estudos de Milton Santos (2004; 2005), Zygmunt Bauman (2005) e Teresa Caldeira
(2000). Todos esses aportes permitiram observar, em Menos que um e Maremoto, as
segregações espaciais que marcam a desterritorialização das personagens em
situação de rua e os modos que elas encontram de sobreviver e resistir, construindo
territorializações precárias.

