“Deus me livre ter mais filhos”: a construção do sentido de violência obstétrica a partir dos discursos de mulheres e de médicas(os) obstetras
Resumo
O presente trabalho pretende verificar como a violência obstétrica é significada
no discurso de mulheres e de médicas(os) obstetras a partir do processo de
sintagmatização e semantização do discurso, em que os elementos do discurso
são engendrados para produzir o sentido intentado em torno da expressão
violência obstétrica. Ao escreverem sobre suas experiências, as mulheres
constroem uma imagem delas mesmas, o “eu”, e uma imagem do “tu”, numa
relação intersubjetiva, “assim a situação inerente ao exercício da linguagem,
que é a da troca e do diálogo, confere ao ato de discurso dupla função: para o
locutor, representa a realidade; para o ouvinte, recria a realidade”
(BENVENISTE, 1976, p. 26). E é nessa relação do homem com sua natureza e
com outro homem por intermédio da linguagem, que a sociedade é
estabelecida (Ibid., 1976). A linguagem é realizada dentro de uma língua, e por
meio dela “o homem assimila a cultura, a perpetua ou a transforma” (Ibid., p.
32); é essa transformação da cultura que os discursos das mulheres buscam
quando ousam promover à existência uma realidade muitas vezes
menosprezada, a da violência obstétrica. Para a elaboração deste trabalho,
foram analisados cinco comentários de mulheres que testemunham a
experiência da violência obstétrica no pré-parto e parto; esses relatos foram
veiculados em uma página pública do Facebook, intitulada Violência Obstétrica.
Com o objetivo de aprofundar as análises e discussões derivadas dos
comentários selecionados, lançar-se-á mão de cinco fragmentos de entrevistas
realizadas com médicas(os) obstetras em que se abordou o tema em questão.
Tais fragmentos estão disponíveis na tese de doutorado sob título O sensível e
o insensível na sala de parto: interdiscursos de profissionais de saúde e
mulheres, de Virgínia Junqueira Oliveira. Nesse cotejo, será possível perceber
como os dois grupos significam a violência obstétrica através de uma análise
linguística, com base na discussão teórica de Émile Benveniste em PLG I
(1976) e PLG II (1989), com o apoio de Dany-Robert Dufour (2000), no que
tange à intersubjetividade, subjetividade e às três pessoas verbais: “eu-tu/ele”,
que atravessam as relações estabelecidas entre a forma e o sentido, o domínio
semântico e o domínio semiótico. Observou-se que a violência obstétrica é
significada de maneiras diferentes pelas mulheres e pelas(os) médicas(os),
com isso, há um embate entre os discursos. Os discursos das mulheres
evocam o sentimento de medo, de terror, de horror, de impunidade, de
desumanidade no tratamento dispensado à gestante no trabalho de parto e
parto. Nos discursos das(os) médicas(os) obstetras há tentativa de negar que
exista violência obstétrica na rotina de trabalho e há uma tentativa de criar uma
imagem da mulher despreparada e desequilibrada que não obedece às
decisões médicas.
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