Estudo comparativo entre sistemas de certificação de produtos orgânicos nos contextos da agricultura familiar brasileira e espanhola.
Abstract
Tornou-se quase uma obviedade as alusões acerca do crescimento na importância
assumida pela produção ecológica ou orgânica nas sociedades contemporâneas,
assim como das razões que presumivelmente explicam esse incremento, tanto no
âmbito dos países desenvolvidos quanto no contexto dos países em
desenvolvimento. Esse processo foi acompanhado de uma expansão dos sistemas
de certificação, que em última análise, visam oferecer garantias aos consumidores
de que os produtos a serem consumidos respondem às exigências que identificam
uma forma de produzir definida como orgânica ou ecológica. Existem, decerto,
diversos mecanismos que são acionados para assegurar tal condição, desde a
palavra do agricultor, mediante uma relação pessoal e direta, até complexos
instrumentos de garantia, cuja esmagadora maioria é operacionalizada por
empresas certificadoras que levam a cabo a certificação clássica (por auditagem) ou
por terceira parte. Não é à toa que a certificação tornou-se um grande negócio que
move cifras importantes, mas que também tem sido responsável por gerar novos
mecanismos de exclusão no acesso aos mercados para camponeses e agricultores
familiares. Essa é uma das causas essenciais para compreender as razões e
circunstâncias que conspiraram para o surgimento do que se passou a denominar
sistemas participativos de garantia (SPGs) em diversos países do mundo. Esta
forma de certificação não aparece como uma forma alternativa ao sistema de
certificação convencional, mas como resultado de um processo sócio-político
extremamente importante para entender a capacidade da agricultura familiar em
adaptar-se a um ambiente institucional invariavelmente desfavorável. O objeto desta
tese é analisar comparativamente a certificação convencional ou clássica e a
certificação participativa e em rede, protagonizada pela Rede Ecovida de
Agroecologia, tendo por base um recorte de realidade que conforma dois universos
empíricos bastante distintos, quais sejam, o estado do Rio Grande do Sul e a
Andaluzia (Espanha). Que elementos poderiam advir dessa aproximação? Que
razões e fatores convergiram para que houvesse uma tentativa de implementação
de um SPG Andaluz inspirado na experiência brasileira? Que aspectos contribuíram
para que essa experiência não prosperasse?
O trabalho de campo desenvolveu-se entre os anos 2009 e 2011 com base em
diversos instrumentos de investigação, especialmente entrevistas semi-estruturadas
realizadas com agricultores, membros de organizações não-governamentais,
técnicos de empresas certificadoras, agentes de governo, associações de
consumidores e outros atores sociais ligados à questão da certificação. Esta tese
centra-se no esforço de responder a esta e outras questões relacionadas com esta
estratégia de diferenciação dos produtos agrícolas, convertida hoje na essência de
um processo importante de organização dos agricultores familiares em nome dos
imperativos da sustentabilidade ambiental e agrícola