Horizontes, caminhos e labirintos: dinâmicas da sucessão geracional na pecuária familiar do extremo sul do Brasil
Resumo
Encontrar casas abandonadas e propriedades à venda não é um fato insólito nas áreas
rurais do Rio Grande do Sul. Em muitas regiões o que antes era espaço de intensa
atividade social converteu-se em lugar de “tapera”, ou seja, “terra que já foi habitada e
cultivada”, conforme Martins (2014, p.128), e que tristemente amarga o abandono. É a
imagem visível de uma crise que se abate sobre muitos estabelecimentos familiares,
retratada de modo recorrente na mídia escrita e falada nos estados meridionais do país.
Tal fenômeno reflete situações onde a cadeia de transmissão do patrimônio fundiário e
da exploração dos ativos da família para os seus descendentes, pelos mais diversos
motivos, foi definitivamente rompida. Esta tese doutoral se baseia em pesquisa que
teve como objetivo compreender as disposições que envolvem as dinâmicas
sucessórias em estabelecimentos rurais da pecuária familiar no município de
Jaguarão/RS. Metodologicamente, a pesquisa constituiu-se em um estudo de natureza
qualitativa baseado no uso da entrevista em profundidade como instrumento da coleta
de dados. Foram realizadas 31 entrevistas, no período compreendido entre outubro de
2019 e março de 2020, das quais 29 com pecuaristas familiares (pais, mães e filhos,
inclusive filhos não sucessores, que não seguiram no estabelecimento) e duas com
agentes do serviço oficial de extensão rural local. Os dados foram tratados pela técnica
de análise de conteúdo. O marco teórico se baseou em estudos que analisam as
singularidades do pecuarista familiar como ator social, bem como a sucessão
geracional como objeto de estudo, partindo da perspectiva sociológica centrada no
patrimônio de disposições de Lahire. Os achados da pesquisa se organizam em torno a
três categorias de análise: a primeira volta-se ao panorama desenhado pelos atores
sociais acerca da própria realidade; a segunda categoria diz respeito à sucessão
familiar na percepção dos indivíduos entrevistados; a terceira discute o futuro do
pecuarista familiar enquanto atividade socioprodutiva. Os resultados destacaram que a
realidade e o contexto que envolve os pecuaristas familiares e seus estabelecimentos,
tais como a expansão da área plantada de soja e o fechamento das escolas rurais, são
fatores que interferem diretamente na reprodução social dessas famílias. Dois fatores
são primordiais para a sucessão geracional: de um lado, o gostar da atividade, de outro,
a vocação. De acordo com os resultados, não há um padrão sucessório definido na
pecuária familiar. Nos estabelecimentos que contam com potenciais sucessores, a
tendência é seguir com a atividade pecuária; já naqueles onde não há perspectiva de
sucessão, os caminhos apontados são o abandono, a venda e/ou o arrendamento,
especialmente para o plantio de soja. Para a maioria dos entrevistados o cenário futuro
é desolador, com cada vez menos população no meio rural. No entanto, possíveis
soluções também foram apontadas, tais como a criação de políticas públicas e o maior
envolvimento dos jovens e das mulheres nas atividades relativas aos estabelecimentos
rurais e nas decisões que afetam o seu futuro.
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